Porquê publicar os "Consentimentos Informados" em Angiologia e Cirurgia vascular?
DOI:
https://doi.org/10.48750/acv.582Abstract
As questões éticas da especialidade constituíram sempre uma preocupação da Sociedade Portuguesa Angiologia e Cirurgia Vascular traduzida, inclusivamente, na formação de um Núcleo de Ética Profissional.
A necessidade de conferir aos médicos o consentimento para as intervenções após o devido esclarecimento é uma aquisição relativamente recente. Por exemplo, os gregos achavam que a participação do doente na tomada de decisões médicas prejudicaria a relação de confiança no médico. De facto, o relacionamento médico-doente foi sendo, ao longo dos séculos, o suporte das intervenções terapêuticas uma vez que o seu alcance era limitado e a sua validação, tal como hoje a concebemos, era inexistente. Este padrão foi-se alterando progressivamente após a revolução científica do século XVII com o desenvolvimento do que viriam a ser os métodos científico e experimental modernos. Já no decurso da segunda metade do século XX surge a chamada medicina baseada na evidência com a definição de resultados clínicos testados pela moderna metodologia científica.
Este pensamento e forma de agir tornaram-se requisitos mais rigorosos na prestação de cuidados de saúde nos últimos anos. Por outro lado, valoriza-se, na atualidade, a participação dos doentes nas decisões após a devida partilha de informação conferindo o que se convencionou chamar de "consentimento informado".
A autodeterminação, isto é, o direito de todo cidadão decidir ou determinar o curso da sua vida é, pois, um direito previsto na lei portuguesa. A autodeterminação no contexto dos cuidados de saúde significa que todo o adulto capaz, tem a liberdade de consentir ou recusar um tratamento médico mesmo quando os profissionais de saúde possam acreditar que ele é benéfico e necessário.
Todos estes aspetos são de importância cardinal na nossa especialidade a qual envolve frequentemente questões de risco vital, de perda de função ou de modificação da imagem corporal. Conseguir que os doentes sejam adequadamente informados e tomem decisões partilhadas de forma consciente é um desafio para todos os médicos em geral e para os cirurgiões em particular.
Deste modo, o consentimento informado é um processo colaborativo que requer um alto grau de maturidade emocional por parte dos profissionais de saúde os quais devem estar dispostos a explicar o que é conhecido e admitir o que não é. Tal implica que seja utilizado o tempo e o esforço necessários para que os doentes entendam os tratamentos propostos.
Cada doente cirúrgico é único; cada um tem a sua própria personalidade, educação, condição emocional e social bem como a capacidade de compreender as informações apresentadas. Alguns doentes têm várias questões, informação prévia com diversos graus de qualidade, e exigem saber cada detalhe do tratamento proposto. Outros, porém, contentam-se com a informação básica e outros há que confiam sem questionar no que lhes é proposto. A todos devemos esclarecer e em especial informar do risco e benefício das intervenções.
Para ajudar a lidar com estas questões, foram introduzidos os formulários de consentimento informado que proporcionam informação sobre as intervenções propostas, os benefícios esperados e os riscos inerentes numa linguagem e terminologia que possa ser entendida pela generalidade das pessoas. É importante também a leitura dos formulários uma vez que a informação escrita promove mais facilmente a retenção e compreensão dos conceitos-chave e muitas vezes é superior à explicação verbal fornecida pelos médicos à cabeceira ou em consultório onde os níveis de ansiedade dos doentes são elevados.
Para além dos objetivos éticos, há outras dimensões dos "consentimentos informados" a ter em conta.
Em primeiro lugar, o propósito médico-legal sendo atualmente indispensáveis às questões deste foro e atestando que a autorização respetiva foi adequadamente obtida. Em segundo lugar, a obtenção do consentimento é um fator de Qualidade do processo assistencial e a respetiva obtenção e preenchimento do formulário um requisito indispensável nas auditorias de acreditação de qualidade das instituições modernas. Finalmente, deve considerar-se que o esclarecimento do doente vascular e a obtenção do consentimento para intervenção devem ser efetuados pelo cirurgião em ambiente de consulta ou de gabinete hospitalar com tranquilidade e disponibilidade para a cabal explicação e esclarecimento de dúvidas.
Refletindo sobre estas questões, e à imagem do que já acontece com outras Sociedades, a Direção atual da SPACV iniciou um processo de tentativa de padronização dos formulários de consentimento informado nas múltiplas intervenções da especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular procurando que sejam completos e exaustivos. Acreditamos, no entanto, que este é apenas o início de um projeto havendo a perspetiva futura de revisão e alargamento a outras áreas com uma lista mais completa e atualizada. Este será, portanto, o início da jornada esperando que possa ser útil aos Serviços de Angiologia e Cirurgia Vascular portugueses.